Abatimento do FIES para profissionais da saúde: requisitos, problemas administrativos e atuação judicial
A pandemia da COVID-19 não apenas revelou a importância dos profissionais da saúde no enfrentamento à crise sanitária, como também deu origem a uma série de medidas legislativas voltadas ao reconhecimento desse serviço essencial. Entre elas, destaca-se a Lei nº 14.024/2020, que alterou a Lei nº 10.260/2001 (Lei do FIES) para prever o abatimento mensal do saldo devedor do financiamento estudantil para os profissionais que atuaram no Sistema Único de Saúde (SUS) durante o estado de emergência em saúde pública.
Contudo, apesar de se tratar de um direito legalmente previsto, a implementação prática do benefício tem enfrentado entraves administrativos significativos, abrindo espaço para a atuação do Poder Judiciário e de advogados que buscam assegurar a efetividade da norma.
Base legal e requisitos objetivos
A Lei nº 14.024/2020 instituiu o abatimento de 1% ao mês do saldo devedor consolidado do FIES — incluídos juros e demais encargos — para cada mês de efetiva atuação no SUS, entre março de 2020 e abril de 2022.
Os requisitos para o abatimento são claros e objetivos:
- Ter atuado por, no mínimo, seis meses no SUS durante o período da pandemia (março de 2020 a abril de 2022);
- Possuir registro ativo e regular no respectivo conselho profissional;
- Comprovar o vínculo funcional ou contratual com instituição pública de saúde;
- Não ter sido beneficiário de outro programa de abatimento no mesmo período.
A norma buscou incentivar a permanência e reconhecer o esforço dos profissionais da saúde na linha de frente do combate à COVID-19, especialmente considerando as condições de risco e sobrecarga enfrentadas no período crítico da emergência sanitária.
Falhas na execução administrativa do programa
Na prática, o acesso ao benefício tem sido prejudicado pela instabilidade e pelas falhas operacionais da plataforma FIESMED, responsável pela recepção e processamento dos pedidos de abatimento.
Os principais problemas relatados incluem:
- Dificuldades de acesso à plataforma e instabilidade do sistema;
- Inconsistências de dados cadastrais entre instituições de saúde e o FNDE;
- Demora excessiva na análise dos requerimentos;
- Indeferimentos automáticos sem justificativa adequada.
Essas falhas administrativas têm inviabilizado o exercício pleno de um direito previsto em lei, levando muitos profissionais a buscar o reconhecimento judicial do abatimento.
Entendimento judicial e fundamentos para a atuação processual
O Poder Judiciário tem se posicionado de forma favorável aos profissionais da saúde, reconhecendo que a ausência de regulamentação ou a ineficiência administrativa não podem restringir um direito estabelecido por norma legal.
As decisões têm se apoiado em três fundamentos principais:
- Eficácia plena da Lei nº 14.024/2020, que não depende de regulamentação para ser aplicada;
- Princípio da razoabilidade e da segurança jurídica, diante da inércia administrativa;
- Reconhecimento oficial do período de emergência em saúde pública, que perdurou até abril de 2022, conforme a Portaria GM/MS nº 913/2022.
Em diversas ações, os tribunais têm determinado ao FNDE e à União que procedam ao abatimento de 1% ao mês do saldo devedor consolidado do FIES, bastando a comprovação do exercício profissional no SUS durante o período elegível.
Estratégias de atuação para advogados
A via judicial tem se mostrado o meio mais eficaz para garantir o direito ao abatimento. A atuação advocatícia nesse contexto requer uma abordagem estratégica e documentalmente robusta.
Entre as boas práticas recomendadas:
- Reunir provas de vínculo empregatício ou contratual com instituição pública de saúde (contratos, portarias, holerites ou declarações da unidade);
- Anexar comprovação de inscrição ativa no conselho profissional;
- Demonstrar o saldo devedor atualizado do FIES e o histórico de pagamentos;
Assista ao vídeo explicativo
Assista ao vídeo com o advogado Bryan Oliveira, que comenta mais detalhes sobre este tipo de ação.
Perspectivas e relevância social
Mais do que uma questão financeira, o abatimento do FIES representa um reconhecimento concreto do papel desempenhado pelos profissionais da saúde durante a pandemia. Para o advogado, esse tema oferece não apenas uma oportunidade de atuação técnica relevante, mas também um campo de defesa de direitos com impacto social significativo.
A consolidação de precedentes favoráveis tende a fortalecer a efetividade da norma e pressionar o Poder Público a aprimorar os mecanismos administrativos, garantindo que o benefício alcance quem de fato o merece.
Conclusão
O abatimento do FIES para profissionais da saúde é um direito de natureza compensatória e socialmente relevante, cuja aplicação prática tem exigido a intervenção do Poder Judiciário diante da ineficiência administrativa.
A advocacia tem papel essencial na efetivação desse direito, tanto na orientação preventiva quanto na via contenciosa, assegurando que a lei cumpra sua finalidade de reconhecer o esforço e a dedicação de quem esteve na linha de frente do combate à pandemia.

